Claudio de Lima

"Passo e fico, como o Universo" O Guardador de Rebanhos - Fernando Pessoa

Textos

O onibus
Era um dessas manhãs cinzentas em que não sabemos se chove ou se fará sol.
Por volta dos anos 80. Como sempre, estava atrasado para o trabalho, fruto de uma noite custa de sono.
Cá entre nós, pontualidade não era meu forte.
Naquela época, levava tarefas para casa, relatórios e relatórios... Hoje isto soaria absurdo.
Mais absurdo ainda foi perder o ônibus, aquele ônibus vermelho, há precisos cinco metros do ponto. Jamais havia acontecido aquilo. Fiquei vermelho... como o ônibus...de raiva gritei, assobiei, xinguei e nada.
Inútil, garanto que se fosse uma gostosa teria parado na hora, mesmo fora do ponto.
Aí fiquei apavorado e realmente me dei conta do tamanho do meu atraso.
Perder aquele ônibus significava perder a reunião com o chefe, significava ouvir merda, pior poderia significar literalmente ficar na merda, ou seja, sem emprego.
Ainda não existia celular, cassar um orelhão na altura do campeonato poderia me levar a perder o próximo ônibus e táxi, nem pensar, a grana sempre curta.
Sequer surgia uma idéia... Pior, tentei tranqüilizar-me, acalmar minha mente, mas a imagem da inútil corrida atrás do ônibus me perseguia.
Daí que já estava arquitetando uma desculpa para meu chefe, quando outro ônibus apontou na esquina.
Para não correr risco de perdê-lo, apressado para pará-lo, quase fui atropelado. Só me faltava essa...
Azar, ele estava apinhado de gente, lotado até a escada! Preço por viver em São Paulo... baita preço alto.
Acho que minha habilidade de bom vendedor ajudou-me a negociar com sucesso o último degrau.
- Por favor... um passinho aí pessoal!
E foi só um passinho mesmo. Devia ter pedido mais que isto.
Quem dera, cortesia sempre funcionou, porem neste caso... é o “salve-se quem puder”.
Mas como atravessar aquele mar de gente?
Apressados, estressados, sonolentos, bêbados, tinha gente cheirando destilaria naquela hora do dia, caras amassadas e atrasadas como eu.
Ainda pendurado na escada, lembrei-me da reunião, do relatório, do chefe e do ônibus perdido.
- Dane-se! Disse para mim mesmo.
- Estou ferrado! Eu era novato na empresa, quem vai acreditar num novato?
Tempos aqueles, sem Internet, sem celular, se fosse hoje o relatório teria seguido pela madrugada e eu já teria dado notícia do meu atraso.
Há que tenha saudade daqueles tempos... bem essa é uma boa discussão.
Quanto mais o relógio avançava, mais impaciente ficava e nestas horas
parece que existe uma conspiração, tudo atrapalha...o farol que demora a abrir, a colisão, carro na contra-mão, cheiro das pessoas sem banho e o indesculpável pisada no pé...
- Ops... foi  sem querer!
Meu pensamento estava voltado para o ônibus perdido e os dez segundos que me separaram do embarque, e que já viraram minutos...horas de atraso.
Digamos que quase morri e consegui evitar o pior, ao menos não perdi meu ponto de decida.
Entrei no prédio e peguei o elevador no térreo. Incrível, ao longo dos quinze andares comecei a achar que tinha alguma chance...
Sorte de principiante!
Enfim cruzei a recepção e perguntei pelo chefe, e a Glorinha me respondeu:
- Não vem não! Torceu o pé e a reunião foi cancelada.
Perguntei, sem conseguir disfarçar minha alegria, não pelo pé, é claro (vaso ruim na quebra)...
- O que houve?
Glorinha respondeu:
- Parece que um ônibus vermelho apressado avançou sobre seu carro, mas foi só um esbarrão, apenas um susto.
Ufa! Sorte de principiante. Foi como virar um jogo perdido.
Lembrei-me de uma frase que minha mãe repetia muito:
- Filho, não adianta chorar pelo leite derramado.
Hoje, responderia para ela:
- Sem dúvida, mamãe, muito menos pelo leite ainda não derramado.

Claudio Lima
Enviado por Claudio Lima em 20/09/2009
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