Os deuses do futebol
Tudo começou com uma aposta, entre um corinthiano e um palmeirense. Acontece que o perdedor acompanharia o ganhador no clássico de domingo. Detalhe: os dois vestidos com a camisa de seus respectivos times e é claro na torcida do time do vencedor da aposta. Bem, perdi a aposta e o sossego. Nada mais arriscado e apaixonante do que uma coisa destas. Sempre soube que há um coeficiente de irracionalidade em toda a paixão. Aquilo tinha sido uma loucura. A semana foi terrível, sentia-me como alguém submetido a uma sentença de morte decretada, sabendo que vai viver até domingo. Pudera, para um jovem de 27 anos, era uma brincadeira virando um pesadelo. Tinha que ter um plano que diminuísse o risco. Cada vez que pensava naquilo alguma coisa me tirava o fôlego. Assim, apelei para a amizade e combinei vestir uma camisa comum (preta) sobre a camisa corinthiana (branca). Mesmo assim, alguns amigos sugeriram-me que simplesmente não aparecesse por lá e arrumasse qualquer desculpa. Porém, isso estava fora de cogitação. Perdi a aposta. mas não perdi a honra. Se assim fizesse a humilhação seria ainda maior. E lá fui eu! Ótimo, o céu amanheceu “carrancudo”, como diria o grande locutor Fiori Giglioti e a metereologia previa chuva para o horário do jogo. Menos ruim, quanto mais chuva melhor, o estádio estará mais vazio... Bobagem, torcedor não dá mínima para o tempo. O único tempo que interessa a ele é o tempo de jogo. Daí que chegamos cedo, portões abertos, meu amigo como era de seu direito escolheu a arquibancada palmeirense. Agüentei firme, embora minha camiseta preta em meio a tanto verde soava no mínimo suspeita. Tomara que meu amigo cumprisse sua promessa de não me entregar. O ataque corinthiano sufocava a defesa verde e o goleiro pegava todas. Evidente que eu assistia aquilo tudo sem esboçar um único gesto, como se estivesse vendo outro jogo. Mas, no início do segundo tempo, com o placar ainda zero a zero, aconteceu um lance em que ao erguer os braços, quase gritei goal. Aí ... não teve jeito, fui denunciado, ou melhor denunciei-me. Gritaram: - Tem gavião no ninho palmeirense! Parecia uma senha, a partir daí meus ouvidos suportaram todo o tipo de insulto e o mundo despencava sobre minha cabeça: papel, copo, pilha, xixi, etc.. Ao menos meu amigo tentou interceder a meu favor, porém quanto mais falava, pior ficava a minha situação. Bem, a partir dos vinte minutos do segundo tempo, passei a ser a atração principal da arquibancada. O certo é que o jogo que já não era lá essas coisas, tinha ficado num segundo plano. Há um ditado que diz que se algo vai mal, existe uma chance de ficar ainda pior. Não demorou e comecei a ouvir um coro assim: - Mata, mata, mata... O massacre era eminente. Perdido por perdido, levantei-me, tirei rapidamente a camisa corinthiana e a ofereci em sacrifício. Eis que, em segundos, ela estava sendo queimada, transformada em fogueira, aquecendo a laje fria da arquibancada do estádio. Por hora, apesar de tudo, o ambiente continuava hostil e eu já torcia para que o jogo terminasse sem gols ou com uma vitória palmeirense. Estava omo se fosse um soldado espião descoberto em linhas inimigas, feito prisioneiro. Pior, estava por vir. Encerrando o jogo, tinha que deixar o estádio sobre os olhares ameaçadores dos palmeirenses. Aí, desesperado, fui salvo pelo chefe da torcida palmeirense, que saiu junto comigo, porem na bronca, e lá fora, já na rua, me sentenciou: - Dá próxima vez que você aparecer por aqui, vou cuidar de você pessoalmente! Hoje vinte e três anos depois, relembrando estes fatos, me vem a memória uma das crônicas do grande Armando Nogueira, que falava dos deuses do futebol que comparecem nos clássicos , influenciando resultados, que protegem goleiros e favorecem artilheiros. Pois é, acho que naquela tarde, sem chuva, eles tiveram pena de mim e enfim, agora posso gritar: - Timão, timão, timão...
Claudio Lima
Enviado por Claudio Lima em 03/10/2009
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