Claudio de Lima

"Passo e fico, como o Universo" O Guardador de Rebanhos - Fernando Pessoa

Textos


O mundo real

Na plataforma vazia, o silêncio denuncia o olhar eletrônico, porem irônico por não ser anônimo.
- Não ultrapasse faixa amarela!
Há um passo dela, observo o túnel escuro, o trilho iluminado pelo brilho dos faróis. Sua precisão chega a ser irritante, bem que às vezes poderia demorar-se mais.
Diante de mim, a porta se abre, todos me olham. Entro e me acomodo no pequeno espaço que tenho, junto à porta.
Como as garras do teto foram feitas para as pessoas mais altas, alguém de estatura mediana como eu, fica literalmente pendurado.
E como um pêndulo, balanço ao sabor do freio. Seria um bom exercício matinal, se não fosse pelo ridículo da cena.
-Se não for descer na próxima estação, vá para o corredor, não fique parado junto à porta.
A sensação é de que a voz falava para mim e que havia flagrado fazendo algo errado, deixava-me desconsertado.
Apesar de lotado, por que será que gostamos das portas?
Talvez por ser mais movimentado, menos abafado, será por nos sentirmos mais seguros ou perto da saída?
Quem vive em São Paulo, está sempre preocupado, apressado... ansiado.
-Vá para o corredor!
Os corredores são pouco percorridos. Ficamos quase sempre na superfície, perto da saída. Esperando que alguma coisa aconteça, olhando a vida lá fora.
-Vá para o corredor!
Soa como um convite, para se estar consigo, ao longo da viagem, de estação em estação...
Ah! Mas há pessoas nitidamente obsessivas, querem ser as primeiras e entrar e a sair...
Além do elevador, o metrô é um dos poucos lugares nos quais ficamos cara a cara e às vezes corpo a corpo com pessoas desconhecidas.
No metrô como a viagem é mais longa permite o exercício da observação, da análise. Lendo nos olhares, o que as pessoas estão pensando. Percebendo quem são, o que fazem, através de suas roupas, do que trazem nas mãos, do que conversam...quando conversam.
Todos se olham, mas ninguém se deixa ver.
Janelas espelhadas...
- Próxima estação Armênia.
Aqui vou ficando. Da plataforma vejo o Tamanduateí ainda cheio. Se chover forte hoje, de novo, pode transbordar.
Será que aquele cliente chato vai adiar novamente nossa reunião?
- Moço, onde fica o Detran?
Ufa! Que bom... estou de volta ao mundo real.
 
Claudio Lima
Enviado por Claudio Lima em 09/08/2011
Alterado em 02/11/2015
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