Claudio de Lima

"Passo e fico, como o Universo" O Guardador de Rebanhos - Fernando Pessoa

Textos


Chantily

Por detrás de todo o reencontro há sempre algum mistério que instiga nossa imaginação.
Sobretudo descobrir como o poder transformador do tempo afetou nossos corpos, nossas histórias e nossos sentimentos.
Naquele sábado acordei sentindo-me estranho, tendo um pressentimento de que algo diferente e inesperado estava por acontecer.
É que, a cada momento ao longo da manhã este presságio tomava minha atenção.
Talvez, desejando desvendar o enigma, resolvi abrir o computador e navegar pelas salas de bate papo da internet.
Habitualmente aos sábados fazia isto, buscando algum programa para a noite. Um homem divorciado, com poucos amigos, avesso a baladas e afins, acaba preferindo uma companhia mais seletiva, um programa mais tranqüilo.
Sala São Paulo, capital, acima de cinqüenta anos, lá fui eu ...
Safira, anjo de mulher, sempre sua, lágrima, luz da vida... bem fiquei só observando por um bom tempo.
De sala em sala, é tudo muito igual, as conversas, as provocações, as piadas, o inevitável questionário. Raramente alguém diferente aparece.
Luluzinha, mulher carente, gata, nuvem cigana, brisa do mar...brisa do mar?
Ocorre que em alguns casos, o processo de escolha é intuitivo, não obedece a nenhum critério.
A leitura acontece entre linhas, entre palavras, através daquilo que não é escrito e é simplesmente sentido.
Brisa do mar...quem é você?
Te conheço, sim. É você!
O acaso nos colocou na mesma sala...na mesma janela.
-Nossa última conversa tem mais de dez anos...quanto tempo!
Todos esses anos, em menos de sessenta minutos.
Finalmente pediu um encontro, ou melhor um reencontro para o mesmo dia, para a mesma tarde.
Cinco e meia, Shopping Santa Cruz, Café Celebraty...ficou assim combinado.
Meu relógio marcava duas horas, tinha mais três horas pela frente. Seja como for a tarde passava devagar, a minha indisfarçável ansiedade.
Tantas perguntas em minha cabeça...tentava lembrar-me de seu rosto, de sua voz.
Apesar da tela fria do computador, em alguns momentos senti emoção através de sua escrita.
-Teria ela sentido o mesmo, acerca da minha?
Trocamos nossos telefones, e-mails, pra não nos perdermos mais.
Naquela tarde cada hora durava uma eternidade e passei o tempo preparando-me para revê-la.
De fato, com antecedência de uma hora já estava lá, plantado a sua espera. Procurava seu rosto em toda mulher que passava por ali.
-Como iríamos nos reconhecer?
Só sabia que sim... ao olhá-la não me confundiria.
Faltando cinco minutos para o horário marcado, surgiu, há aproximadamente quinze metros de mim.
Magra, 1,70, vestida de azul, pele clara, cabelos negros nos ombros.
Caminhava decidida na direção do café.
-É você?. Perguntou.
-Sim. Respondi emocionado em vê-la e abraçá-la.
Durante alguns segundos ficamos a nos olhar como que tentando adivinhar ou ler em nossos rostos o que aconteceu em nossas vidas ao longo destes anos.
Sentamo-nos e conversamos por cerca de uma hora, relembrando os tempo de escola, os amigos em comum, a nossa caminhada, nossos planos, sonhos...ah! os sonhos!
De fato, estava vivendo um momento único, uma cena que talvez, não mais se repetiria.
Uma revelação: ao final de três meses, ela partiria em viagem para a Europa,a trabalho.
-Volta?
-Sem previsão, talvez daqui há alguns anos...
Aquela informação me trouxe para a realidade de nossas vidas. Passado e presente se confundiam em olhares, sorrisos, ainda há pouco e logo em seguida, estávamos ali nos despedindo.
Ao sair, um abraço demorado e sincero, caminhou pelo isso frio do shopping, sem olhar pra trás... sem promessas... sem aceno.
Bem, voltei para a mesa e pedi mais um café.
Enquanto tomava meu capuccino, lembrava seu último olhar, rosto a rosto, me dizendo que queria ficar.
Rapidamente saboreei a última gota de chantily, antes que se dissolvesse no café, ainda aquecido...

 
Claudio Lima
Enviado por Claudio Lima em 09/08/2011
Alterado em 02/11/2015
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras