Claudio de Lima

"Passo e fico, como o Universo" O Guardador de Rebanhos - Fernando Pessoa

Textos


VOZES DA GUERRA: Para além do bombardeio

 

Em algum lugar da Ucrânia...

 

O BOMBARDEIO

As explosões tinham recomeçado

todos já haviam ido embora

Fiquei só

Dentro do que sobrou em pé

Entre escombros, me escondi da noite

dos saqueadores, do frio

e do horror da guerra

Mas, naquela madrugada

tudo era diferente

não sabia ao certo explicar porque

As explosões cada vez mais perto

como algo que marchava

na minha direção

Pensei por um momento em correr

mas para onde?

correr na escuridão?

A guerra estava em toda parte

a dor havia tomado toda a cidade

Refleti que poderia ser

a minha hora, a minha vez

sim talvez terminaria ali

entre lembranças

memórias e bombas

cada vez mais perto ...

Na guerra, a destruição

começa dentro da gente

tudo desmorona

e a vida perde o sentido

Meus olhos

como duas janelas para o fim

A última explosão

fez tudo estremecer a minha volta

foi como se eu fosse partido ao meio

e depois apaguei

fiquei totalmente ausente da vida

e até de mim mesmo

 

O RESGATE

Não sei ao certo

por quanto tempo depois

sentia apenas

o cheiro da guerra

o frio e a escuridão

de uma longa madrugada

Passado mais um tempo

me senti transportado

recolhido (no que restou de mim)

e levado para longe, distante dali.

 

Quando retomei alguma consciência

não tinha fome, nem sede

Meus olhos nada viam

minha voz calada

apenas ouvia

e sentia que tinha um corpo limpo

sem dor física, vivo

deitado sobre uma cama macia

Assim mergulhava num sono profundo

que parecia não ter fim

Estava doente da alma

as bombas haviam silenciado lá fora

mas por dentro

deixaram muitas feridas

não silenciadas

Por vezes ouvia vozes distantes

ruídos de passos

sentia presenças por perto

cuidando de mim

O medo já havia desaparecido

meu coração com o tempo

foi acalmando

Meus períodos de consciência

eram mais frequentes

podia dizer que a esperança

me inundava

embora ainda não pudesse mover-me

pois não percebia meu corpo...

 

Por fim algo maravilhoso aconteceu

alguém se aproximou de mim

pude sentir suas mãos

em forma de conchas

tocando meu rosto

tocando meus olhos, demoradamente

aquilo aconteceu inúmeras vezes

e a cada vez sentia

que minha visão se abria mais e mais

Nada me era dito

apenas aquelas duas mãos

tratando meus olhos

Com o tempo

passei a esperar por elas

era como se tocassem também

o meu coração

as minhas memórias

as minhas dores

a minha alma

 

O REENCONTRO

Aos poucos comecei a ver

as primeiras luzes coloridas

que me envolviam

e que me devolviam à vida...

O quarto era todo branco

com uma grande janela aberta

para um céu e um sol de entardecer

Havia no ar um sentimento

de indescritível leveza

Ao adormecer novamente

logo me vi desperto

por aquelas mãos tocando meu rosto

Como um gesto de gratidão

toquei-as com minhas mãos

e uma voz suave

como algo que vinha de tão longe

e ao mesmo tempo de tão perto, disse-me:

- Filho, sou eu, sua mãe. Estive ao seu lado

  desde sempre...

Fui tomado por extrema emoção

e inclinando-me para o lado

fitei seu rosto, rosado

muitos anos mais nova

do que quando partiu

Ali, sorrindo para mim

sem qualquer traço de dor

nenhuma marca da doença

que a tinha levado de nós

Ali ao seu lado

pude receber o abraço

mais aguardado

de todo minha vida

Conversamos muito

sobre tanta coisa

entre risos e lágrimas

Aquela agora jovem

enfermeira Anna

me devolveu a esperança

e a alegria do recomeço

e naquele pedacinho de céu

celebramos juntos o reencontro

de dois corações

separados pela dor

e que após tantos anos

foram novamente reunidos

pelo amor...

 

Dominick

 

Observação: relato recebido mediunicamente

em 7 de novembro de 2022 entre 2h30 à 3h30.

Claudio Lima

 

 

Foto: Raimond Klavins

 

 

 

Claudio Lima
Enviado por Claudio Lima em 11/03/2023
Alterado em 11/03/2023
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